OPINIÃO
Saúde mental: uma preocupação emergente dos negócios
Não é novo, nem muito diferenciador escrever que hoje vivemos num mundo de incerteza, ambiguidade, volatilidade e complexidade.
O nosso dia-a-dia, apesar da pandemia, continua a pulular de notícias que derivam das preocupações ambientais com a crise climática ou com a crescente digitalização do mundo e da economia. Hoje, é comum discutir-se a importância da transição energética e da transição digital. Estas transições fazem-se há muitas décadas neste último caso, ou mesmo há séculos quando nos referimos à carbonização e os seus impactos.
Há meio século poucos se preocupariam sobre outra transição: a de ciclo de estudos. Passar da escola primária para o ciclo preparatório ou para o secundário ou mesmo superior não era visto como algo digno de atenção específica e especializada, mas tão só como... fazendo parte da vida e pronto (aliás, como morrer aos 67 anos também fazia parte da vida e era a esperança média de vida em Portugal há 50 anos).
Todavia, hoje, sejam as transições energética ou digital, seja a de ciclos de escolaridade, merecem, e bem, a nossa atenção. Estamos mais despertos e conscientes, estamos mais literatos, nas dimensões ambientais ou energéticas, digitais e até mesmo quanto à forma como valorizamos as competências sócio-emocionais e facilitadoras ou a saúde mental (eu sei que há um enorme caminho a percorrer, mas numa perspectiva histórica os factos demonstram que estamos hoje muitíssimo melhor). É neste contexto evolutivo, de incerteza crescente e de necessidade de preparação para as mudanças e transformações, que ganha corpo uma maior sensibilidade para a importância de olharmos para as pessoas como tal e não como recursos ou capital, e por isso a necessitar de um conhecimento da sua natureza, sobre como se comportam e como funcionam os seus processos mentais, de percepção, de pensamento e decisão ou de expressão emocional. São estas pessoas que todos os dias consomem, lideram, vendem, produzem, aprendem e assim fazem a economia, as organizações e o desenvolvimento das sociedades.
Quem não arrisca não petisca. Arriscar é inerente à decisão, em teoria, mas não uma inevitabilidade sem qualquer controlo. O risco faz parte do negócio, mas é ou deve ser gerido. Gerir o risco exige várias competências, entre elas perceber diferentes percepções do mesmo, as crenças envolvidas na sua construção, os diferentes cenários e os seus impactos. A avaliação de risco no seio das organizações tem evoluído e mais recentemente até nos processos de auditoria e revisão de contas foi incluída a dimensão de sustentabilidade e para ela contribuindo os riscos ambientais da actividade.
Ora, se não há negócio sem risco, também não há negócio sem pessoas e estas têm riscos e são um risco (através do seu comportamento). Poderia escolher várias áreas para exemplificar esse risco causado pelas pessoas e o seu comportamento (e em que nem a tecnologia nos vale, como na cibersegurança), mas focar-me-ei na saúde mental e nos riscos psicossociais. São mais de vinte os factores de risco psicossocial comummente elencados, entre eles o sentimento de (in)justiça, insegurança laboral, comportamentos ofensivos, ritmo de trabalho, qualidade da liderança ou as exigências cognitivas e emocionais, apenas para referir alguns. Estes riscos impactam na saúde das pessoas nos locais de trabalho e no seu bem-estar. E quanto menos bem-estar e mais problemas psicológicos (mesmo sem qualquer perturbação), mais absentismo e presenteísmo, menos produtividade e menos competitividade (custaram 3,2 mil milhões de euros às empresas não financeiras em Portugal, em 2019).
Uma pessoa com problemas psicológicos tem uma maior probabilidade de tomar piores decisões, por estar sujeita a mais enviesamentos decorrentes de um pensamento mais automático ou emocional.
Por tudo isto, se queremos pessoas mais resilientes e preparadas para crises e processos de mudança ou transições, temos que as apoiar ao longo de todo o ciclo de vida para se desenvolverem nas suas competências sócio-emocionais, como o trabalho em equipa, expressão emocional e comunicação interpessoal, entre outras. Para além disso, devemos avaliar estratégica e periodicamente os riscos psicossociais nas organizações e desenhar planos de prevenção à medida das suas necessidades. Não há fórmulas mágicas. Há ciência psicológica aplicada.
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Dr. Francisco Miranda Rodrigues
Bastonário da Ordem dos Psicólogos