Porque razão os benefícios financeiros são um pré-requisito para os benefícios de saúde

À medida que a disparidade na distribuição da riqueza e as crises económicas aumentam, e o desemprego se torna uma possibilidade cada vez mais real, é cada vez mais relevante prestar apoio financeiro aos colaboradores. Bem como obter os princípios base ao nível da prevenção, intervenção e educação que permitam reduzir a lacuna existente na saúde e na riqueza e criar uma employer brand com a qual as pessoas se identifiquem e pretendam fazer parte.

Cada vez mais empresas recorrem aos benefícios para atrair e reter talento, mas muitas das vezes, são os benefícios mais básicos que ajudam a impulsionar o bem-estar dos colaboradores. Por forma a garantir que as empresas obtêm o retorno do seu investimento é imperativo que primeiro compreendam os pressupostos que estão na base do bem-estar dos seus colaboradores.

Por todo o mundo, muitas pessoas que estão empregadas vivem precariamente, sem que reste nada do seu ordenado no final do mês. Antes da crise do COVID-19, o numero de pessoas empregadas na União Europeia atingiu um recorde, contudo 17% da população encontrava-se em risco de pobreza, mesmo considerando os apoios dados pelo estado.

Os governos estão a adotar medidas para aliviar a pressão existente, sendo que 21 dos 27 estados membros da União Europeia têm agora um salário mínimo oficial, ao mesmo tempo que a UE está a tentar introduzir um salário mínimo a nível global. Contudo, com a recessão económica de longo prazo que se prevê após COVID-19, e que se antecipa ser a pior desde a Grande Depressão dos anos 30, é provável que esta problemática se torne a realidade de muitas pessoas, inclusive aquelas que antes contavam com empregos seguros e viáveis.

Embora as empresas tenham percebido que os benefícios extrassalariais podem ajudar a impulsionar a produtividade dos seus colaboradores e a melhorar a sua atratividade perante o mercado, existem também algumas suposições sobre o que os colaboradores realmente desejam, e sobre o que realmente os ajuda.

A crescente incerteza, nomeadamente ao nível financeiro (global e pessoal) está a posicionar as preocupações das pessoas a um nível básico.

Uma força de trabalho homogénea?

Nos países mais ricos, onde o nível de vida costuma ser mais elevado, as inscrições nos ginásios, o ir de bicicleta para o trabalho e os clubes desportivos têm sido vistos como opções acessíveis e viáveis para melhorar o bem-estar físico. Estas são opções baratas e de fácil acesso, quando comparadas com outro tipo de benefícios, e podem ajudar não só no bem-estar físico como também social. Podem ser boas opções para que as empresas consigam quick win’s na promoção do bem-estar dos seus colaboradores.

Contudo, tendo as organizações internacionais forças de trabalho localizadas noutros países para além do seu país de origem, em locais onde geralmente a mão de obra é mais barata, é importante resistirem à tendência de olhar da mesma forma para toda a força de trabalho, como se esta fosse uma só entidade. Dependendo das regiões onde se encontram, pode ser necessário ter uma nova perspetiva, para perceber realmente que benefícios seriam mais usados, valorizados e até mais acessíveis em cada região.

As suposições podem colocar em risco as boas intenções. É crucial conhecer as especificidades de cada região, inclusive as diferenças culturais, financeiras e educacionais que podem existir entre os diferentes grupos de colaboradores da organização. Até mesmo quando a força de trabalho se encontra toda na mesma região, podem existir diferenças significativas nas expectativas dos colaboradores, dependendo do seu cargo ou mesmo das suas qualificações.

Antes de desenhar um pacote de benefícios único para todos os colaboradores, as empresas precisam de conhecer melhor em que situação se encontram os seus colaboradores. O custo de vida está a aumentar, mas a inflação não. As disparidades na distribuição da riqueza estão a aumentar em todo o mundo, o que representa uma preocupação para um número crescente de pessoas. Mesmo nos países mais ricos, onde existem melhores salários, o impacto da vida na cidade pode revelar-se extremamente prejudicial para o bem-estar a diversos níveis, nomeadamente ao nível da saúde física.

Sandrine Fleury, Communication Consulting Business Leader na Aon, afirma que independentemente das diferenças, existem necessidades humanas fundamentais que as empresas precisam considerar:

‘Existem diferenças entre os países no que respeita às tendências sobre as necessidades das pessoas, porém as necessidades base são universais. O bem-estar financeiro começa por se ter um lugar para morar e comida, para o próprio e para a sua família. As restantes formas de bem-estar podem tornar-se menos relevantes quando alguém não tem como se alimentar. Este tipo de problema pode afetar qualquer pessoa, em qualquer país a qualquer momento.’

A necessidade de garantir o básico não é surpresa para ninguém. Embora exista a sensação que a atração e retenção de talento serão garantidas através de pacotes de benefícios mais atraentes, que incluem trabalho flexível, diversos eventos sociais, desenvolvimento de carreira e formação avançada, não pudemos esquecer o que foi descrito por Maslow, na década de 1940, ou seja, como a auto atualização é construída sobre os fundamentos da sobrevivência.

Este tipo de situação pode afetar inclusive as pessoas com bons trabalhos. A natureza de curto-prazo que muitos dos empregos atuais apresentam, reflete também um menor sentimento de segurança laboral. Já não existem “empregos vitalícios”, as pessoas estão cada vez mais ansiosas em relação ao futuro, e mesmo quando o movimento de mudança de emprego é uma estratégia para uma progressão de carreira mais rápida, é preciso estar atento pois pode vir a prejudicar o planeamento financeiro.

A pandemia COVID-19 mostrou claramente que, quer empresas quer colaboradores, estavam pouco preparados para uma perda repentina de rendimentos. Enquanto muitas empresas estiveram focadas em pacotes de benefícios atrativos no curto-prazo, baseados na valorização imediata do colaborador, existiu um foco menor naquilo que poderia vir a ser necessário em caso de perda de emprego.

Reconhecendo o problema

As organizações reconhecem agora que caso pretendam investir num relacionamento duradouro e reciproco com os seus colaboradores é importante prestarem o apoio financeiro adequado aos mesmos, indo para além dos ordenados e dos bónus. O posicionamento “deixe os seus problemas à porta” caiu em desuso e revelou-se contraproducente, pois se não se reconhecerem e resolverem os problemas existentes, não é só o bem-estar do colaborador que ficará afetado, mas também a produtividade. No entanto, importa referir que não se trata de chegar à raiz dos problemas financeiros de uma pessoa, numa primeira fase, trata-se sim, de identificar que alguém está com problemas financeiros, pois só a partir daí é que é possível prestar ajuda necessária.

Em todas as organizações existe um grupo de colaboradores com nível salarial mais baixo e/ou que pode ter uma família numerosa que depende de um único rendimento. Reconhecer que esses grupos existem e proporcionar uma abordadgem bottom-up (ascendente pode ajudar a criar condições que levem as pessoas a procurar apoio.

Sandrine, acredita que as organizações precisam de dar um passo em frente e mudar a forma como concebem as pessoas que podem estar na base do espectro social:

‘Na verdade a vida precária é uma realidade para muitas pessoas em todo o mundo. Se uma empresa está comprometida com o bem-estar, é preciso que este esteja no ADN da própria empresa. Tem de ser uma mentalidade e não apenas uma abordagem top-down.’

Fazer com que alguém revele as suas dificuldades financeiras pode ser um passo difícil. As pessoas podem sentir-se envergonhadas, constrangidas, ou mesmo em negação sobre a existência de um problema, devido às consequências. Esta reação pode ter um fundamento cultural, pois, dependendo do país onde se encontra, os problemas financeiros podem ser temas que não se partilham com terceiros, ou pode dever-se à necessidade de manter um status, ou mesmo por orgulho pessoal. Romper com este tipo de tabu é fulcral para se conseguir avançar.

Prevenção & Intervenção

A pandemia COVID-19 mostrou quão uteis podem ser as poupanças em tempos de crise. As pessoas com maior capacidade de ultrapassar esta crise, ou aquelas que foram menos afetadas pelo aumento do desemprego, pela redução horária ou mesmo pelos subsídios do estado, têm sido capazes de redefinir prioridades, reorganizando as suas vidas de forma a que funcionem melhor para as mesmas.

Enquanto se reavaliava o que realmente é importante, verificou-se um aumento no número de pessoas que fazem exercício em casa, que passam mais tempo com as crianças e que aproveitam esta oportunidade para aprender novas habilidades ou iniciar novos hobbies, coisas que antes da pandemia não eram tão fáceis de acontecer. Não será fácil fazer com que os colaboradores abdiquem destas novas “liberdades de expressão” e que retomem a um mundo que carece de equilíbrio.

É necessário aprender algumas lições a longo-prazo, quer no âmbito do bem-estar individual, quer na saúde imediata da população em geral. Prevenir o mal-estar emocional, numa altura em que o teletrabalho abriu portas para o mindfulness, assim como, apostar no bem-estar profissional, quando os colaboradores introvertidos estão protegidos das politicas de escritório, podem ser a chave para um futuro que se revele melhor para todos.

Embora a situação não tenha sido favorável para muitos, uma vez terminada a crise de saúde, não podemos perder a oportunidade de estender as melhorias que foram conseguidas a nível individual, para o nível social.

Ultrapassada a pandemia, a maior tragédia será se não conseguirmos retirar mais valias da mesma e termos sido apenas suas vitimas.

No entanto, é importante lembrar que aqueles que puderam usufruir dos benefícios, provavelmente, são aqueles que estavam financeiramente seguros. Criar segurança financeira no “novo normal” deve ser uma prioridade fundamental para as empresas e seus líderes. Mesmo para os casos que não foram afetados de forma direta nas suas finanças, é necessário continuar a investir no bem-estar financeiro, pois este continuará a ser um tema pertinente dada a crise económica que se adivinha.

Os colaboradores continuarão a sentir-se inseguros em relação ao futuro das suas finanças. Na verdade, se surgir uma “segunda vaga” ou qualquer outro fator que venha contribuir para o agravamento da crise financeira que se aproxima, não haverá desculpa para as empresas que decidam não agir, a preocupação imediata em relação aos colaboradores será garantir que eles estarão salvaguardados dos efeitos posteriores.

Para além de que, se se desfizerem os efeitos positivos com eventuais preocupações financeiras, significaria que estariam a ser desperdiçados todos os esforços feitos pelas empresas noutras áreas.

Sandrine, acredita que caso os fatores de risco se mantenham, conforme se prevê nos próximos meses, será necessária uma abordagem “começar do zero”, na qual se considere que todos os colaboradores podem estar em risco.

“A saúde física é importante, mas também é prejudicada quando parte da força de trabalho está focada em conseguir sobreviver ao final do mês, ou se está a trabalhar sem um contrato que lhe dê proteção financeira. Desafios no âmbito do bem-estar financeiro, tornam outras formas de bem-estar secundárias e por vezes até mesmo inacessíveis.”

Sandrine Fleury, Communication Consulting Business Leader na Aon

Responsabilidade Corporativa e a perceção pública

Não foi apenas o desemprego tradicional que deixou milhões de pessoas em todo o mundo sem proteção financeira, falhas contratuais ou o facto de não ser considerado um colaborador a tempo integral também contribuíram para este fenómeno. Os trabalhadores independentes, precários e outros, ficaram de repente exposto financeiramente pelas suas condições profissionais, que muitas das vezes derivam de escolhas pessoais mais amplas, como pretender ter maior flexibilidade horária para um maior bem-estar.

O relatório da Aon sobre Gig Economy evidenciou a existência de uma diferença real na abordagem que as empresas têm em relação aos colaboradores a “full-time” e aos colaboradores “Gig” ou independentes, como é o caso de alguns motoristas, estafetas, advogados, seguranças, etc. A COVID-19 deixou estes trabalhadores dependentes de apoios do estado, uma vez que ficaram financeiramente expostos devido à falta de proteção financeira que a sua condição profissional originou. A complexidade no acesso a fundos de ajuda, fez com que estes trabalhadores tivessem mais dificuldades em suspender os seus empregos, fazendo com que também corressem mais riscos durante a pandemia. Tudo isto, ao mesmo tempo que a dependência das empresas em relação ao Gig Work vai aumentando.

Estes fatores colocaram muitas empresas sob escrutínio. A atenção dos media e da opinião pública, em relação às atitudes do governo para com os responsáveis de grandes empresas, expuseram algumas atitudes injustas que estas têm em relação aos colaboradores “Gig” e não só, também aos colaboradores em geral.

Esquemas de bónus, evasão fiscal e elevados salários – disparidades na distribuição de riqueza em geral – fizeram com que muitas pessoas levantassem questões sobre de quem é a responsabilidade e onde é que o sistema está a falhar.

Embora muitas vezes estejamos a falar de escolhas individuais, a verdade é que atualmente a população em geral está mais consciente de que o custo que os governos têm, seja através de programas de apoio aos salários ou de resgate de empresas, será pago pelos contribuintes através de impostos futuros.

Numa perspetiva de marca, o facto de uma empresa ter a atitude correta em relação aos seus colaboradores, quer sejam contratados quer não, e ter um sistema justo que proteja as suas pessoas ao nível social, quer no presente quer no futuro, contribui para aumentar a opinião pública de forma positiva. Assim como o contrario também poderá ter consequências nefastas no futuro, nomeadamente na capacidade da empresa em atrair e reter talento ou mesmo de manter o negócio viável no mercado.

Numa perspetiva de ascensão e de resiliência, as empresas precisam gerir melhor as implicações éticas da proteção que oferecem aos seus colaboradores, caso pretendam que estes as vejam como empresas confiáveis.

Construindo do zero

Ter uma estrutura e um plano claro em vigor é o primeiro passo para garantir que estão a ser considerados todos os pilares de bem-estar, e se esta for desenhada considerando o país, as funções e os cargos em questão, irá garantir que estão a ser feitas considerações mais amplas.

Poderão existir outros fatores locais, pelo que é fundamental conseguir obter esse insight. Por exemplo, quando estamos perante pessoas menos comunicativas ou relutantes em falar dos seus problemas pessoais, a realização de questionários anónimos pode ser uma boa opção para recolher a informação que precisa. Por outro lado, quando estamos perante pessoas mais comunicativas e participativas, realizar um fórum sobre o tema pode ser uma boa forma de começar a perceber as necessidades e providenciar soluções.

Existe um forte argumento para questionar os seus colaboradores sobre as dificuldades que estão a ter nas suas vidas profissionais e pessoais, pois desta forma conseguirá obter um bom insight sobre eventuais fontes de stress. Os Programas de Assistência aos Colaboradores (EAP – Employee Assistance Programmes) também são uma boa opção para obter informação, assim como, para proporcionar o suporte individual necessário, uma vez que permite ao colaborador ter acompanhamento confidencial e na altura que precisa do mesmo. A pandemia COVID-19 começou a normalizar as conversas de teor financeiro, inclusive em países onde anteriormente estas conversas, sobre finanças pessoais, seriam impensáveis.

Para Sandrine o foco deve estar em garantir que as organizações providenciam as estruturas certas para informar as suas forças de trabalho, para que as organizações se assegurem que não só estão a proporcionar benefícios, mas que também irão recolher a recompensa pelos seu investimento:

‘Para além de existirem os benefícios certos para os colaboradores, é fundamental que estes conheçam e percebam o que têm à sua disposição. Como primeiro passo é vital que a liderança desempenhe um papel ativo para garantir que estas iniciativas estão a ser conduzidas de forma séria, procurando normalizar estes temas. Em segundo lugar, é indispensável que exista um plano de comunicação claro, conjugado com os recursos adequados para entregar o plano definido. Pode perder-se uma grande oportunidade se os colaboradores não quiserem comprometer-se com o Bem-Estar, pelo facto de não o entenderem ou pelo facto dos benefícios não estarem a ser bem comunicados.’

A estratégia de comunicação de muitas empresas não faz justiça a todos os benefícios que esta proporciona às suas forças de trabalho, o que contribui para desperdício de budget. Mesmo que o colaborador saiba da existência de um programa de benefícios, se não souber que benefícios tem disponíveis, onde pode aceder aos mesmos e, acima de tudo, como é que estes o podem ajudar, é pouco provável que os use. Sandrine concorda:

“Esta conversa precisa ser iniciada o quanto antes. Os colaboradores não estão a usufruir de aconselhamento e orientação porque não sabem que os têm ao seu dispor. É crucial que compreendam as pensões, coberturas de saúde, seguros de vida, assim como, o que é proveniente da empresa e proveniente do estado, para que as pessoas possam ter confiança no seu futuro.”

Sandrine Fleury, Communication Consulting Business Leader na Aon

Após a pandemia, à medida que o mundo se ajusta ao “novo normal”, é fundamental que as organizações possibilitem aos colaboradores uma base de benefícios que lhes proporcione estabilidade e segurança. Este facto vai para além das expectativas, pois as organizações que não planeiem com este propósito, podem ficar mais exposta no que respeita à atração e retenção de talento, assim como, a um maior escrutínio da opinião pública.

As empresas que estão preparadas para enfrentar esta situação, para fazer o que está correto e colocar as suas pessoas em primeiro lugar vão posicionar-se como empresas corajosas, confiáveis e capacitadas. Embora, as ameaças imediatas permaneçam reais para muitos, os colaboradores e as empresas devem considerar começar a voltar a sua atenção para o futuro.

Sandrine considera fulcral mitigar as ameaças financeiras, uma vez que as pessoas podem estar a gastar energia em soluções para problemas, quando na verdade as soluções podem já estar ao seu dispor.

‘Se as pessoas estiverem numa posição difícil vão procurar formas de diminuir a tensão. Se conseguirmos ajudá-las a entender as soluções que têm ao seu dispor, em termos de informação e apoio financeiro, e conseguirmos dar benefícios flexíveis por forma a que os colaboradores possam colmatar as suas necessidades, eles serão capazes de criar o bem-estar que precisam.’

Colaboradores com uma maior segurança financeira poderão concentrar-se em objetivos como, desenvolvimento pessoal, progressão carreira, ou outras atividades mais simples como socializar.

Se os locais de trabalho começarem a ser considerados plataformas, onde os colaboradores podem enfrentar os desafios que a vida traz e alcançar os seus objetivos, começaremos a ver emergir os locais de trabalho de “amanhã”.


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